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A proibição das Escrituras Declaratórias de Uniões Poliafetivas

M. Charles 02/04/2021 866

A proibição das Escrituras Declaratórias de Uniões Poliafetivas

O que é união poliafetiva ou poliamorosa?

A relação chamada de poliafetiva ou poliamorosa, é aquela que tem como objetivo o relacionamento a título de conviventes e de união estável, simultaneamente de três ou até mais pessoas, já que no Brasil é proibido se casar com 2 pessoas, surgindo o “poliamor”.

Existe ainda grande preconceito com tais uniões, mas, elas são uma realidade social, e os direitos de tais pessoas devem ser resguardados. 

A primeira escritura de poliafetividade

A primeira escritura de poliafetividade, foi registrada no ano de 2012 em Tupã-SP, a qual, em que pese ter-se posicionamentos de sua invalidade, é certo dizer que apenas em 2018 o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) se manifestou definidamente sobre a questão.

Este foi o primeiro caso (neste envolvia 2 mulheres e 1 homem) e que assim já viviam a relação poliamorosa antes de confeccionarem a escritura, e com a finalidade de garantir os direitos de família e sucessões, etc, realizaram a declaração em cartório. São vários os formatos de tais famílias.

Até a proibição de 2018 pelo CNJ, tem-se que em todo país foram feitas cerca de 30[1] escrituras, não podendo mais ser lavrada às escrituras por decisão do CNJ no “PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS” - 0001459-08.2016.2.00.0000 em 28/06/2018.

Essas escrituras públicas declaratórias (que declara uma situação existente), são usadas como instrumentos em que o Tabelião de Notas manifesta por escrito à vontade dos declarantes, não podendo ser contrário à Lei ou dar validade a ato ilícito.

Lei Maria da Penha e o formato novo de família

Em que pese tais posicionamentos contrários ao poliamor, é importante consignar que a lei Maria da Penha, no art. 5º, II[2], tem-se nessa legislação já um formato novo de família, e que inclusive, há decisões que só crescem a um conceito afetivo da então chamada família Eudemonista, não importando a questão somente de família biológica, ou seja, a família ganha um conceito maior com relação ao afeto.

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O Tribunal Mineiro e a família Eudemonista

A título exemplificativo, o Tribunal Mineiro, reconhece a família Eudemonista (recurso de Agravo de Instrumento - Cv nº 1.0115.12.001451-5/001) em situação de visitação de pai não biológico, vejamos o resumo do julgado:

PATERNIDADE SOCIOAFETIVA - DIREITO DE VISITAS - AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE DESABONEM A CONDUTA DO PAI - BEM ESTAR DA CRIANÇA.  - Após o advento da Constituição Federal de 1988, surgiu um novo paradigma para as entidades familiares, não existindo mais um conceito fechado de família, mas, sim, UM CONCEITO EUDEMONISTA SOCIOAFETIVO, moldado pela afetividade e pelo projeto de felicidade de cada indivíduo. Assim, a nova roupagem assumida pela família liberta-se das amarras biológicas, transpondo-se para as relações de afeto, de amor e de companheirismo. A melhor doutrina e a atual jurisprudência, inclusive deste próprio Tribunal, estão assentadas no sentido de que, em se tratando de guarda de menor, "o bem estar da criança e a sua segurança econômica e emocional devem ser a busca para a solução do litígio" (Agravo nº 234.555-1, acórdão unânime da 2ª Câmara Cível, TJMG, Relator Des. Francisco Figueiredo, pub. 15/03/2002). 

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O crescimento e evolução da modernidade e tipos de relações

Vemos ainda com as decisões dos Tribunais, um alto crescimento que aceita e reconhece ainda mais o crescimento e evolução da modernidade e tipos de relações que não era aceitas antes, como exemplo o STF (Supremo Tribunal Federal) em 2011, julgou[3] inconstitucional o art. 1723, do Código Civil, que vedava a união estável entre pessoas do mesmo sexo, o que fora seguido pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça)[4], ou seja, hoje 2 pessoas do mesmo sexo podem se unir sem discriminação, sendo de fácil conversão tais uniões estáveis em casamento.

As pessoas devem ser livres para se unir da forma que desejarem?

O ideal é que as pessoas devem ser livres para se unir da forma que desejarem, sem nos olvidarmos de que o Direito Previdenciário (não tão conservador como o Direito Civil) protege o poliamor, protege filhos fora do casamento, etc, não sendo atribuição do CNJ tratar das relações de pessoas (liberdade de conviver), visto que foge da sua competência, embora no caso comentado parece ter sido estrito ao que devem ou não fazer os Cartórios ao lavrar escrituras.

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Sobre a intervenção do Estado nas famílias

Respeitado o posicionamento contrário, PARECE MAIS ACERTADO QUE A INTERVENÇÃO DO ESTADO NAS FAMÍLIAS DEVE SE DAR NO SENTIDO PROTETIVO E NÃO NO SENTIDO DE EXCLUSÃO SOCIAL OU MORAL, posto que não cabe ao Poder Estatal (que é falho em quase todos os setores) predeterminar o que figura ou não figura uma entidade familiar e como ela deve se dar, podendo as partes, se valer da escritura pública (neste caso não vejo motivo para não se fazer a respeito de uma configuração de sociedade de fato) não entendendo como nula as escrituras que até o momento se fez.

Exemplo desse pensamento mais avançado que está exposto no presente artigo, temos o professor Flávio Tartuce[5], que explica sobre o fato de a monogamia não proibir na letra da lei a união estável concomitante, mas tão só o casamento (arts. 1.521, VI e 1.548 do Código Civil), ressalvados estar separado judicialmente (art. 1.723, § 1º do Código Civil) e cuja análise dependeria do crivo Judicial e não do órgão administrativo do CNJ.

Compactuar com o professor talvez seja o mais acertado, visto que este entende não haver afronta à ordem pública e ou prejuízo / dano social, fato que é uma realidade, embora ainda tenha tal proibição em vigor !, todavia, o que em verdade, essas formas crescentes familiares demonstram e reafirmam que tais afetos espontâneos são demonstração clara de transparência, e a permanência de entraves morais e jurídicos, o que não lhes retira uma outra solução jurídica que talvez está no Direito Contratual.

Pronunciamento do Tribunal de Justiça Gaúcho

Trago decisões do Tribunal de Justiça Gaúcho, que se pronunciou, outrora, pelo reconhecimento de relações afetivas simultâneas e “triação de alimentos” vejamos a evolução com o trecho do julgado:

O anterior reconhecimento judicial de união estável entre o falecido e outra companheira, não impede o reconhecimento da união estável entre ele e autora, paralela àquela, porque o Direito de Família moderno não pode negar a existência de uma relação de afeto que também se revestiu do mesmo caráter de entidade familiar.

Preenchidos os requisitos elencados no art. 1.723 do CC, procede a ação, deferindo-se à autora o direito de perceber 50% dos valores recebido a título de pensão por morte pela outra companheira. 2)RESSARCIMENTO DE DANOS MATERIAIS E EXTRAPATRIMONIAIS. Descabe a cumulação de ação declaratória com ação indenizatória, mormente considerando-se que o alegado conluio, lesão e má-fé dos réus na outra ação de união estável já julgada deve ser deduzido em sede própria. Apelação parcialmente provida. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70012696068, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 06/10/2005).

RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL PARALELA AO CASAMENTO E OUTRA UNIÃO ESTÁVEL. UNIÃO DÚPLICE. POSSIBILIDADE. PARTILHA DE BENS. MEAÇÃO. "TRIAÇÃO". ALIMENTOS. A prova dos autos é robusta e firme a demonstrar a existência de união estável entre a autora estável que se iniciou após o término do casamento. Caso em que se reconhece a união dúplice. Precedentes jurisprudenciais. OS BENS ADQUIRIDOS NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO DÚPLICE SÃO PARTILHADOS ENTRE A ESPOSA, A COMPANHEIRA E O RÉU. Meação que se transmuda em "triação", pela duplicidade de uniões. O mesmo se verificando em relação aos bens adquiridos na constância da segunda união estável. Eventual período em que o réu tiver se relacionado somente com a apelante, o patrimônio adquirido nesse período será partilhado à metade. Assentado o vínculo familiar e comprovado nos autos que durante a união o varão sustentava a apelante, resta demonstrado os pressupostos da obrigação alimentar, quais sejam, as necessidades de quem postula o pensionamento e as possibilidades de quem o supre. Caso em que se determina o pagamento de alimentos em favor da ex-companheira. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70022775605, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 07/08/2008)

O Estado como um guia de liberdade e a autonomia individual

Trata-se de um assunto ainda MUITO POLÊMICO, mas tenho que a conclusão a que chegamos, ser do Estado um guia a liberdade e não a assuntos particulares, ou mesmo, não cabe ao falho poder estatal definir o que é moral ou mesmo legislar de forma a excluir a autonomia individual, ferindo o princípio da autonomia privada e o alargamento do conceito de família, que sempre respeitando o posicionamento contrário, hoje é uma realidade o poliamor.

Conclusão

Conclusão que podemos chegar, respeitados os posicionamentos e ideias contrárias, é que o melhor é regulamentar uma situação pretendida do que não regulamentar, pois, de acordo com o Art 5º, Inciso II, da Constituição Federal de 1988, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, e a lei não proíbe tais situações de poliafetividade em uniões estáveis concomitantes, respeitado o que existe com relação ao casamento.

Este artigo tem a finalidade de informação. Marcos R Charles, Advogado-OAB/SP 401.363 - mcharles.adv@uol.com.br

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[1] Em 2015, foi noticiada a elaboração de escritura pública similar, pelo 15º Ofício de Notas do Rio de Janeiro, na Barra da Tijuca, sendo responsável pela sua lavratura a tabeliã Fernanda Leitão, envolvia três mulheres, em união homopoliafetiva, com elaboração de testamentos entre elas e de diretivas antecipadas de vontade, que dizem respeito a tratamentos médicos em caso de se encontrarem com doença terminal e na impossibilidade de manifestarem vontade.

[2] II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

[3] ADPF no 132-RJ – j. Em 05.05.11

[4] RESP no 1.183.378 – j. Em 25.10.11

[5] https://www.migalhas.com.br/coluna/familia-e-sucessoes/257815/da-escritura-publica-de-uniao-poliafetiva-breves-consideracoes

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