O Regime da Comunhão Parcial de Bens e suas nuances
Inicialmente, antes de detalhar o tema, pondera-se que os bens adquiridos por qualquer dos cônjuges ou companheiros antes do casamento ou da união estável são de sua propriedade particular, assim chamados de bens particulares.
A comunhão parcial de bens, é o regime adotado de forma padronizada, caso os nubentes não escolham outro regime por via de pacto antenupcial, assim, dividindo o patrimônio comum independentemente de quem o tenha adquirido.
Como sabido, o casamento e a união estável, geram por si só a comunicabilidade de bens de forma presumida (esforço comum presumido), a qual entende-se haver esforço comum para sua aquisição, instalando-se o que a doutrina chama de “estado condominial”.
Em caso de dissolução de união estável ou divórcio há várias nuances.
Conforme se nota no artigo 1.660 do Código Civil, entram na comunhão incidindo o princípio da comunicabilidade dos bens (partilhando):
I - os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges;
II - os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior;
III - os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges;
IV - as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;
V - os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.
Tem-se um exemplo doutrinário interessante do prêmio de loteria, cujo bilhete fora adquirido antes do casamento, mas a contemplação foi após as núpcias, caso em que o prêmio irá pertencer a ambos.
Este regime, ainda leva em conta a que a união estável ou casamento gera a comunhão de vidas (art. 1.511 do Código Civil), inclusive com deveres como mútua assistência, responsabilidade pelos encargos familiares (artigos 1.565 e 1.566, III do Código Civil), todavia, como tudo no Direito, há exceções, conforme se nota no artigo 1.659 do Código Civil, não entram na comunhão e partilha (em tese):
I - os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;
II - os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;
III - as obrigações anteriores ao casamento;
IV - as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;
V - os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;
VI - os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;
VII - as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.
Consigna-se, que embora alguns bens de uso pessoal, instrumentos de profissão (tratores, veículos, consultórios dentários, aparelhos de valores elevados tais como de sons) e de proventos de trabalho, tenham a “não comunicação”, há entendimentos contrários e praticamente pacificados na jurisprudência[1], aqueles como exemplo inicial de valores elevados a regra não se aplicariam..., somente, “se” comprovada a indispensabilidade ao exercício da profissão (o que gera uma discussão imensa), visto que o direito busca e veda fontes de enriquecimento sem causa de relação um cônjuge ao outro, assim a aplicação da Lei sofre o que se chama de “temperamentos” na sua interpretação.
Diariamente, vemos que muitas vezes famílias passam anos pagando, por exemplo, um financiamento de um caminhão de grande porte, assim, descabe atribuir a titularidade em razão do uso exclusivo por quem é caminhoneiro, entendo o direito que tal bem é comum.
De igual forma, os frutos de atividades laborais, embora esteja na Lei, as decisões levam em conta a comunicação, visto que a família sobrevive dos rendimentos dos tralhados (de um as vezes) dos cônjuges, comunicando e equilibrando a divisão das obrigações, bens e direitos, cujas decisões se afinam ao princípio da igualdade e repelem o enriquecimento sem causa aquele menos favorecido.
A título exemplificativo, o Tribunal de Justiça de São Paulo[2] reformou decisão quanto a não partilha de um maquinário de som, alegando que “Tratando-se de maquinário com relevante valor e sem qualquer ligação direta com a atividade de vereador exercida pelo apelante, de rigor a sua partilha”, outro exemplo é que, comunicam-se as verbas trabalhistas[3] (exceto decorrentes de acidente de trabalho que é personalíssima) a que se tem direito na constância da sociedade conjugal, de igual partilha os valores em conta do FGTS[4], devem ser partilhados[5], os que pagos e juntados durante o casamento e união estável e com entendimentos ainda mais detalhados como irei abordar adiante, no caso de seu uso.
Outra exceção a não comunicabilidade é o que se refere à previdência privada[6] e investimentos nesse sentido, a qual tem entendimentos majoritários que devem ser partilhados, afastando a incomunicabilidade do art. 1.659, VI do Código Civil.
De outro vértice, também a título exemplificativo, o Tribunal de Justiça de São Paulo[7] reformou decisão quanto a partilha de instrumentos odontológicos, os quais não foram partilhados, haja vista que não ficou evidente que trabalhavam juntas as partes conjugais no mesmo local, ou seja, ao uso e compartilhando dos equipamentos de trabalho.
Importante mencionar, que a posse exclusiva do imóvel de propriedade do casal por um dos ex-companheiros / cônjuges, há possibilidade de arbitramento de aluguel em favor do outro, também com o objetivo de evitar o enriquecimento sem causa daquele, vedado pelo ordenamento jurídico (CC, art. 884).
Já as dívidas contraídas por um dos cônjuges neste regime de bens, podem ter por atingidos ao cônjuge quando em benefício da economia do lar e mais hipóteses, isto se não foram aqueles que excluídos da comunhão conforme citados acima pelo art. 1.659 do Código Civil ou impenhoráveis mencionados no artigo 833 do Novo Código de Processo Civil, isso porque, muitos utilizam o nome da esposa (ou vice e versa) para alegação de não responsabilidade patrimonial, o que é vedado.
Há ainda, possibilidade de inclusão em partilha na separação, referente as cotas sociais empresariais, ainda que de titularidade somente de uma das partes, exceto se comprovadas que as cotas sociais empresariais tenham sido recebidas em doação ou sub-rogação de outrem, situação a qual deve ser observado o que consta no contrato social empresarial.
Por fim, é bom alvitre evidenciar no presente artigo, que as parcelas pagas oriundas de financiamentos de imóvel, veículo ou outro bem, que mesmo adquiridos antes da convivência, devem ser partilhados[8], o mesmo se inclui questão do FGTS que embora tenha sido objeto de recolhimento em longo período em conta de uma das partes, acaba sendo levantado[9] durante o interregno da união e utilizado para aquisição de imóvel, deve ser objeto de partilha.
Como vemos, o REGIME comporta nuances em caso de separação do casal, mas em suma, respeitados os posicionamentos contrários ao do presente artigo, tem como significado o compartilhamento em igual proporção de um mesmo patrimônio, vale dizer, o patrimônio adquirido após a celebração do casamento civil ou da união estável comprovada.
Este artigo tem a finalidade de informação. Marcos R Charles, Advogado-OAB/SP 401.363 - mcharles.adv@uol.com.br
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[1] “Os frutos civis do trabalho são comunicáveis quando percebidos, sendo que a incomunicabilidade apenas atinge o direito ao seu recebimento. 6. Interpretação restritiva do art. 1.659, VI, do Código Civil, sob pena de se malferir a própria natureza do regime da comunhão parcial. [...] “Ressalto, ademais, que, embora o Código Civil preveja, em seu art. 1.659, inciso, VI, excluírem-se da comunhão os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge, a interpretação desse dispositivo deve sofrer temperamentos. Com efeito, tanto a doutrina como a jurisprudência têm interpretado esse enunciado normativo de forma restritiva, entendendo que a incomunicabilidade se restringe ao direito ao recebimento dos frutos civis do trabalho, mas não aos valores em si, de modo que, uma vez percebidos, eles passam a integrar o patrimônio comum”. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.” (REsp 1295991/MG, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, 3ª T, j. em 11/04/2013).
[2] APELAÇÃO. Ação de divórcio, alimentos e partilha de bens. [...] Equipamento sonoro. Incomunicabilidade afastada. Circunstância do caso concreto que afasta a exceção prevista no artigo 1.659, inciso V, do Código Civil. (TJSP; Apelação Cível 1001926-34.2016.8.26.0294; Relator (a): Rogério Murillo Pereira Cimino; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro de Jacupiranga - 1ª Vara; j: 03/08/2020)
[3] REsp 1.543.932-RS
[4] AÇÃO DE DIVÓRCIO C/C PARTILHA DE BENS – Sentença que decretou o divórcio das partes, e realizou a partilha do patrimônio comum, acolhendo o pedido reconvencional para incluir no monte partível os recursos de FGTS angariados pelo autor durante o matrimônio – Ré reconvinte que pretende o reconhecimento de união estável anterior ao casamento, e reforma da partilha de bens, para que seja incluído no monte partível bem imóvel adquirido pelo recorrido [...] – Autor que pretende a exclusão da partilha de recursos de FGTS angariados no curso do regime de bens, sob a justificativa de se tratarem de proventos oriundos do seu trabalho pessoal, não sujeitos à comunhão, nos termos do artigo 1.659, VI, do Código Civil – Tese que implicaria na falência dos regimes da comunhão parcial e universal de bens – Aplicação do entendimento do C. STJ sobre a matéria, no sentido de que é devida a meação dos valores de FGTS angariados no curso do regime da comunhão parcial de bens – Honorários recursais devidos – Sentença mantida – RECURSOS DO AUTOR E DA RÉ DESPROVIDOS. (TJSP; Apelação Cível 1000065-05.2017.8.26.0156; Relator (a): Angela Lopes; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro de Cruzeiro - 1ª Vara Cível; j: 05/08/2020)
[5] Ap. Cível 1002739-75.2019.8.26.0223; Rel.:PivaRodrigues; 9ª Câmara de Direito Privado; j. 23/04/2020- grifei
[6] “também possui feição de aplicação financeira. A respeito, oportuno colacionar trecho da ementa do voto proferido pela Ministra Nancy Andrighi, no julgamento do REsp n. 1.698.774/RS (data do julgamento: 01/09/2020).
[7] AÇÃO DE DIVÓRCIO C/C PARTILHA DE BENS. Equipamentos odontológicos. Excluídos da comunhão por se tratar de instrumentos de profissão do réu. Inteligência do art. 1.659, V, do Código Civil. Não demonstrado nos autos que as partes trabalhavam juntas no mesmo local, compartilhando dos equipamentos de trabalho, sendo certo que a autora labora, desde outubro de 2008, como servidora pública estatutária junto ao departamento odontológico da Prefeitura Municipal de Votuporanga. (TJSP; Apelação Cível 1003084-76.2019.8.26.0664; Relator (a): Donegá Morandini; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Privado; Foro de Votuporanga - 1ª Vara Cível; j: 29/01/2021)
[8] “O fato de o marido ter adquirido bens antes do casamento não elimina o direito de a mulher incluir na comunhão as parcelas pagas, durante ele, a título de financiamento” (Apel. nº 4001323-52.2013.8.26.0604 31ª Câm. Extr. Dir. Priv. Rel. Des. Beretta da Silveira j. 16.03.2018).
[9] AgInt no REsp 1575242/MG, FGTS RECOLHIDO DURANTE MATRIMÔNIO E UTILIZADO NO ABATIMENTO DE SALDO DEVEDOR DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. COMUNICABILIDADE DESSES VALORES. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL DEMONSTRADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.” (REsp 1266527/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 03/09/2013, DJe 29/04/2014) e REsp 1.266.527/RS, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 3/9/2013, DJe 29/4/2014; REsp 758.548/MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 3/10/2006, DJ 13/11/2006, e REsp 781.384/RS, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em 16/6/2009, DJe 4/8/2009.