Substituição e Subsistência de Atos de Vontade e Negócios Jurídicos
Como visto em outro artigo sobre a conversão e conservação de negócios Jurídicos, a substituição e subsistência de atos de vontade ainda que nulos, ou mesmo a convalescência desta por outras formas ou pelo tempo, é um "instituto" que tem grande relevância, derivando do Princípio da Conservação do Negócio Jurídico ou mesmo o Princípio da Subsistência dos negócios jurídicos, assim "direcionado" a existência de uma invalidade / situação de fato, para outro fundamento jurídico e solucionar o caso.
Importante frisar, que não é uma conversão em espécie a subsistência ou substituição, pois neste caso, preocupa-se com a "subsistência fática do caso", só que invocando ou utilizando fundamento (e outros institutos) diverso do original, mas com base no fato em si.
Exemplo comum é a propriedade aparente (desdobramento da Teoria da Aparência), que nada mais é do que "aparência de dono a terceiros" aquisições por negócios inválidos ou ineficazes, como exemplo a venda a non domino que até mesmo pode ser mantida com base em outro fundamento jurídico, de acordo com a realidade fática.
Uma venda a non domino como exemplo pode ter "substituído o fundamento do ato de vontade" para usucapião, tanto que, usa-se ainda como fundamentação jurídica o art. 214, § 5º da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73) que proíbe declarar nulo um registro se tiver transcorrido prazo para que surja o Usucapião.
Outro exemplo, é a chamada adoção a Brasileira, a qual trata do registro de filho alheio como próprio, embora até possa ser reconhecida a nulidade, o ato de adoção é supremo, se fundamenta e subsiste, sendo substituído pela filiação socioafetiva (neste caso aplicado o Princípio da Efetividade), bem como, subsiste o vínculo de filiação que pode ainda se arrimar em mais institutos jurídicos do Estatuto da Criança, Leis especificas, e sem dúvida o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, etc.
Ao tratarmos de casos concretos (analisando detalhadamente a situação de fato), o cuidado é (e deve ser) extremo, e de imediato sem uma maior reflexão e estudo se utilizarmos de termos como nulo, inexistente, inválido, impossível, etc, pode-se cair em grave erro!!, isso porque podemos ter por "invertido" o resultado desejado, ainda mais, ante a convalescência dos negócios "anuláveis" (geralmente por confirmação ou ratificação expressa, convalidação ou prescrição) e até mesmo "nulos".
Uma questão e exemplo que é muito recorrente a mencionada convalidação, é o contrato de trespasse (compra e venda de um estabelecimento empresarial), que não exige forma solene (existe até mesmo o enunciado 393 da IV Jornada de Direito Civil) a respeito, mas que gera muitas discussões e riscos de não se adotar a forma escrita, sendo que em casos recorrentes apenas a posse longa e razoável no estabelecimento comercial é suficiente, suprimida inclusive pela falta de assinatura e de documento escrito e solene, neste caso se arrimando o direito ao invocar outro instituto o da supressio[1] que "desaparece" o direito quando o mesmo não é exercido por um lapso de tempo, gerando sua não pratica.
Ainda, muitas situações jurídicas excepcionais, para subsistência e / ou substituição aos atos dos negócios / decisões que se estabilizaram, é a aplicação da Teoria do Fato Consumado[2] (teoria que tem por tese convalidar situações pelo decurso longo de um prazo), assim, os casos na prática e durante o tramite do processo restam impossíveis de serem desfeitos ou "desconstituir situações jurídicas" consolidadas pelo tempo, porque não convém mais a modificação, "sob pena de afrontamento valores" e criar-se inconvenientes graves de ordem prática ao interessado e terceiros.
Muitos em sua maioria não concordam com sua aplicação, inclusive na esfera do questões relacionadas a concursos públicos e direito ambiental (Súmula 613 do STJ), mas cada um tem sua opinião..., porém referida Teoria tem sua importância.
Exemplos: casos em que A) um estudante ingressou irregularmente em uma escola, mas já concluiu o curso, B) exames supletivos sem a idade mas que já estava na iminência de encerrar a faculdade, C) aluno matriculado no curso de Engenharia, sem concluir o 2º grau, realizou o curso universitário ao abrigo de liminar, D) ingresso na faculdade antes de concluir o ensino médio[3], tendo concluído o curso, E) Convalidação de Diploma[4] de Estabelecimento que teve cassado seu funcionamento, F) Aluno que teve garantida[5] sua matrícula enquanto discutia o vestibulinho tendo sido consolidada situação, G) Realização de Exame da OAB sem apresentar diploma ou certidão de conclusão do curso de direito, etc.
Portanto, o direito pode ter por aplicada a substituição ou subsistência de atos / negócios, sua convalescência, podendo ser invocado por meios de princípios ou teses, institutos e entendimentos jurisprudenciais, mantendo-se decisões ou negócios jurídicos.
Este artigo tem a finalidade de trazer informações sobre um tema complexo, a “subsistência” ao conhecimento geral, e acima de tudo termos ideia dessa vastidão e aplicabilidade em vários ramos do direito.
Marcos R Charles, Advogado-OAB/SP 401.363 – www.mcharlesadv.com.br
Advogado especializado em direito de família e das sucessões, atuante nas áreas cível e criminal.
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[1] Leia-se, para definição do instituto, a doutrina de JUDITH MARTINS -COSTA: “Pode-se invocar a supressio quando há o transcurso de razoável período de tempo desde o estabelecimento de certa situação, sem que haja o exercício do direito que poderia, licitamente, modifica-la, havendo, ao revés, indícios objetivos de que o direito subjetivo da contraparte não seria exercido. Sua consequência está em limitar o exercício de direito subjetivo, tendo-se como imobilizada a pretensão em razão da boa-fé objetiva como norma impositiva de um comportamento estável.”(A Boa-Fé no Direito Privado, pág. 648;grifei)
[2] Exemplo clássico de aplicação da Teoria do Fato Consumado está no célebre acórdão de relatoria do Ministro Humberto Martins, que, no REsp 709934, assim entendeu sobre o tema: Impõe-se, no caso, a aplicação da Teoria do Fato Consumado, segundo a qual as situações jurídicas consolidadas pelo decurso do tempo, amparadas por decisão judicial, não devem ser desconstituídas, em razão do princípio da segurança jurídica e da estabilidade das relações sociais. Recurso especial conhecido em parte e improvido. (REsp 709.934/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/06/2007, DJ 29/06/2007, p. 531, grifos nossos)